terça-feira, 11 de outubro de 2011

Deus e "os escolhidos"

Rabino Dov Lior


AVISO: postagem sobre extremismo religioso. Se não interessa, simplesmente ignore.

Dia desses li (e comentei no Facebook) declaração de um pré-candidato à presidência dos EUA (Mitt Romney), que alegou que Deus (Ele, o próprio) teria escolhido aquele país pra “comandar o mundo”. E por isso (em nome d'Ele), iriam à guerra sempre.

Agora, li uma outra grande asneira do mesmo gênero (nem dá pra dizer que é pior, embora até pareça, já que ambas usam como fundamentos a mesma lenga-lenga de sempre: “somos os escolhidos”). Segundo este texto, um rabino israelense chamado Dov Lior prega um “édito talmúdico” (uma “lei” religiosa antiga) que libera o assassinato de não-judeus.

O texto diz que, na cabeça doentia desse rabino, até as crianças não judias devem ser mortas, “porque não há inocentes na guerra”. A ideologia dele prega ainda que “ainda que sejam pacificados e ‘passem a respeitar a lei’, os não judeus devem ser escravizados para ‘carregar água e cortar lenha’, a serviço dos senhores da raça superior”.

Estranho, parece que já se ouviu, na boca de outros maníacos do passado, esse papinho de "raça superior"!

Pois bem, como não saio acreditando em tudo que leio, fui procurar mais a respeito do tal Rabbi Dov Lior. Cheguei, então, a uma reportagem recente do Ha'aretz (jornal israelense), a qual, infelizmente, parece comprovar a informação. E mais: diz que (assim como Mitt Romney nos EUA) o infeliz rabino não é um simples maluquete radical, mas um líder influente e respeitado.

A coisa chega ao ponto de os principais partidos da coalizão do atual governo Netanyahu quererem propor uma chamada “Lei Dov Lior”, que garantiria a loucos como ele saírem pregando assassinatos e racismo por aí, sem serem “incomodados” pela lei. Segundo eles, a Torah (bíblia do judaísmo) está acima de qualquer lei humana.

Resumindo: se Deus disse que os judeus são a raça superior, que prometeu Jerusalém a eles, e que o resto (os não-judeus, inclusive eu e talvez você) tem estatuto equivalente a “bestas de carga”, então tá falado! É isso mesmo?

Eita mundinho cada vez mais perigoso, esse nosso!


PS 1: nada tenho contra judeus em geral, mas sim contra este tipo de interpretação extremista vinda de grupos que parecem ganhar força ultimamente.

PS 2: gostaria que as “patrulhas sionistas” que enchem meu saco por e-mail dissessem apenas se discordam do rabino em questão, ao invés de se limitarem a fazer ameaças veladas.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Londres, 2011: Os saqueadores do dia contra os saqueadores da noite

Interessante análise sobre os tumultos em Londres. O texto é da canadense Naomi Klein, escritora e autora do documentário A Doutrina do Choque.

Londres, 2011: Os saqueadores do dia contra os saqueadores da noite

16/8/2011, Naomi Klein, The Nation, EUA
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Leio comparações entre os tumultos em Londres e em outras cidades europeias – vitrines quebradas em Atenas, carros incendiados em Paris. E há paralelos, sem dúvida: uma fagulha lançada pela violência policial, um geração que se sente esquecida. Esses eventos foram marcados por destruição em massa, com poucos saques.
Mas tem havido saques em massa em anos recentes e acho que temos de falar também deles. Houve em Bagdá, logo depois da invasão norte-americana – um frenesi de destruição e saques que esvaziou bibliotecas e museus. Também em fábricas. Em 2004, visitei uma fábrica de refrigeradores. Os trabalhadores haviam saqueado tudo que havia ali de aproveitável, empilharam e incendiaram. No armazém ainda havia uma escultura gigantesca de placas de metal retorcido.
Naquela ocasião, os noticiários entenderam que teria sido saque altamente político. Diziam que aquilo exatamente seria o que aconteceria sempre que um governo não é considerado legítimo pelos cidadãos. Depois de ter assistido durante tanto tempo ao espetáculo de Saddam e filhos roubarem o que conseguissem e de quem conseguissem roubar, os iraquianos comuns sentir-se-iam, então, merecedores do direito de também roubar um pouco. Mas Londres não é Bagdá e o primeiro-ministro britânico David Cameron não é Saddam. Assim sendo, nada haveria a aprender dos saques em Londres.
Mas há exemplos no mundo democrático. A Argentina, em 2001. A economia em queda livre e milhares de pessoas vivendo em periferias destruídas (que haviam sido prósperas zonas fabris, antes da era neoliberal) invadiram e saquearam supermercados de propriedade de empresas estrangeiras. Saíam empurrando carrinhos abarrotados dos produtos que perderam condições para comprar – roupas, aparelhos eletrônicos, carne. O governo implantou “estado de sítio” para restaurar a ordem; a população não gostou e derrubou o governo.
Na Argentina, o episódio ficou conhecido como El Saqueo o saque [1]. É exemplo politicamente significativo, porque a palavra aplica-se, na Argentina, também ao que as elites do país fizeram, ao vender patrimônio da nação à guisa de “privatizar”, em negócios de corrupção flagrante e enviando para o exterior o produto das “privatizações”, para, em seguida, cobrar do povo obediência a um brutal pacote de “austeridade”. Os argentinos entenderam que o saque dos supermercados jamais teria acontecido sem o saque anterior, muito maior, do próprio país; e que os reais gângsteres estavam no governo.
Mas a Inglaterra não é a América Latina e, na Inglaterra, não há tumultos políticos – ou, pelo menos, é o que nunca se cansam de repetir. Os jovens que devastaram ruas em Londres são crianças sem lei, que se aproveitam de uma situação, para roubar o que não lhes pertence. E a sociedade britânica, diz-nos Cameron, tem ojeriza a esse tipo de gente mal comportada.
Disse, e com ar sério. Como se os “resgates” massivos dos bancos jamais tivessem acontecido, seguidos imediatamente do pagamento de escandalosos bônus recordes aos altos executivos. Depois, as reuniões de emergência do G-8 e do G-20, mas quais os líderes decidiram, coletivamente, nada fazer para punir os banqueiros por esse ou aquele crime, além de também nada fazer para impedir que crises semelhantes voltem a acontecer. Em vez disso, cada um daqueles líderes nacionais voltou aos seus respectivos países para impor sacrifícios ainda maiores aos mais vulneráveis. Como? A receita é sempre a mesma: despedir trabalhadores do setor público, fazer dos professores bodes expiatórios, cancelar acordos previamente firmados com sindicatos, aumentar as mensalidades escolares, promover rápida privatização de patrimônio público e reduzir aposentadorias e pensões. – Cada um que prepare a mistura específica para o país onde viva. E quem lá está, na televisão, pontificando sobre a necessidade de abrir mãos desses “benefícios”? Os banqueiros e gerentes de empresas de hedge-fund, claro.
É o Saqueo global, tempo de saques imensos! Alimentados por um sentido patológico de “direitos adquiridos” pelos ricos, o grande saque global está em andamento à luz do dia, como se nada houvesse a esconder. Mas há, sim, temores ocultados. No início de julho, o Wall Street Journal, citando pesquisa recente, noticiava que 94% dos milionários temiam “a violência nas ruas”. Aí, afinal, um medo compreensível.
Claro que os tumultos de rua em Londres não foram protesto político. Mas o pessoal dos saques noturnos com certeza absoluta sabe que suas elites passaram o dia dedicadas aos saques diários. Saqueos são contagiosos.
Os Conservadores acertam quando dizem que os tumultos nada têm a ver com os cortes. Mas, sim, têm muito a ver com os cortados que os cortes cortaram.
Presos longe, numa subclasse que infla dia a dia e sem as vias de escape que antes havia – um emprego no sindicato, educação barata e de boa qualidade – eles estão sendo descartados. Os cortes são um sinal: dizem a todos os setores da sociedade que os pobres estão fixados onde estão – como dizem também aos imigrantes e refugiados impedidos de ultrapassar fronteiras nacionais cada dia mais militarizadas e fechadas.
A resposta de David Cameron às agitações de rua é tornar literal e completo o descarte dos mais pobres: fim dos abrigos públicos, ameaças de censura e corte das ferramentas de comunicação social e penas de prisão absolutamente inadmissíveis; uma mulher foi condenada a cinco meses de cadeia, por ter recebido um short roubado [e hoje, 17/8/2011, dois homens foram condenados a quatro anos de prisão, por incitarem tumultos pela internet, apesar de não se ter provado que sua “incitação” levou a alguma consequência (NTs, com informações de Guardian em: Facebook cases trigger criticism of “disproportionate” riot sentences). Mais uma vez a mensagem é clara contra os pobres que incomodam: sumam. E sumam em silêncio.
Na reunião “de austeridade” do G-20 em Toronto, os protestos viraram tumultos e vários carros da polícia foram incendiados. Nada que se compare a Londres 2011, mas o suficiente para deixar-nos, os canadenses, muito chocados. A grande discussão naquela ocasião era que o governo havia consumido $675 milhões de dólares na “segurança” da reunião (e ninguém conseguia sequer impedir o incêndio de carros da polícia). Naquele momento, muitos dissemos que o novo e caríssimo novo armamento que a polícia havia comprado – canhões de água, canhões de som, granadas de gás lacrimogêneo e munição revestida de borracha – não havia sido comprado para ser usado contra os manifestantes nas ruas; que, no longo prazo, aquele equipamento seria usado para disciplinar os pobres que, na nova era de ‘austeridade’, seriam empurrados para a perigosa posição de pouco terem a perder.
Isso, precisamente, é o que David Cameron absolutamente não entende: é impossível cortar orçamentos militares ou policiais, no mesmo momento em que você corta todos os gastos públicos. Porque, se o estado rouba os cidadãos, tirando deles o pouco que ainda têm, pensando em proteger os interesses dos que acumulam muito mais do que qualquer ser humano precisa para viver, é claro que deve esperar o troco ou, pelo menos, deve esperar resistência – seja a resistência de protestos organizados, seja a resistência das ondas de saques. Não é propriamente problema político: é problema matemático, físico.

Nota dos tradutores
[1] Ver, sobre esse período, Memoria del Saqueo, filme de Fernando “Pino” Solanas, Argentina, 2004. Pode ser baixado livremente.

 

terça-feira, 3 de maio de 2011

Líbia, uma outra visão



27/4/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online

Falcões liberais ou intervencionistas neoconservadores, todos amam a eficiente techno-guerra dos EUA. No momento em que círculos íntimos do poder em Washington – e em Londres – fazem barulho a favor de intervenção do Ocidente na Líbia, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) nessa 2ª-feira atacou o complexo de Muammar Gaddafi, Bab al-Azizya, em Trípoli, pela segunda vez em cinco semanas.

A OTAN insiste que não visava a atingir o coronel – mas um “centro de comunicações” que haveria em Bab al-Azizya. Tudo bem. Como se a Resolução n. 1973 do Conselho de Segurança da ONU autorizasse a bombardear, para “proteger civis”, o complexo onde Gaddafi morava.

Essa “atividade cinética” aconteceu depois que o ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger martelou a favor desse projeto para a Líbia em, no mínimo, três ocasiões: na Escola Elliot de Relações Internacionais da George Washington University; numa conferência no Aspen Institute sobre “Valores e Diplomacia”, também em Washington; e na reunião Bretton Woods II em New Hampshire
[1].

O plano de Kissinger: invadir a Líbia e manter a coisa fervendo até, pelo menos, a primavera de 2012. A agenda (pirada): manter o Oriente Médio e o norte da África em estado de completo desarranjo, como tática/pretexto diversionista para que Washington possa atacar o Irã a serviço de Israel e a serviço, claro, do complexo militar-industrial. Há boa chance de o Marechal de Campo von Trump – codinome “Donald Trump” – comandar a invasão do Irã.

Gaddafi é o vilão perfeito para essa farsa anglo-franco-norte-americana digna do teatro de Georges Feydeau. Apesar de toda a megalomania ditatorial, Gaddafi é panafricanista empenhado – feroz defensor da unidade africana. A Líbia nada deve a banqueiros internacionais. Nunca tomou empréstimos do FMI para qualquer tipo de “ajuste estrutural”. Usou seu dinheiro do petróleo para serviços sociais – inclusive para construir a rede de aquedutos conhecida como Projeto Great Man Made River e para investimentos e ajuda a países subsaharianos. O Banco Central da Síria é independente, não-manipulável pelo sistema financeiro ocidental. E tudo isso é péssimo exemplo para o mundo em desenvolvimento.

Quebrar a Líbia seria só o hors d'oeuvres, antes de quebrar outras partes da África nas quais a China tem investimentos encampáveis. Sim, porque, se coturnos ocidentais pisarem o chão no norte da África, os tais coturnos logo chegarão ao Sahel – que já está em turbulência: Mali e Niger já estão recebendo armas dos ‘rebeldes’ líbios, e armas que rapidamente chegam às mãos da Al-Qaeda no Maghreb (AQIM). Os poderosos na Argélia e no Marrocos – onde continuam non-stop as manifestações pró-democracia – já começam a dar sinais de pânico.

Todas essas são variáveis que é preciso não perder de vista. No momento, o filme humanitário arrasa-quarteirões é, mesmo, “Drones sobre a Líbia” – mais uma coprodução Pentágono/Casa Branca/Departamento de Estado, diretamente saída de Hollywood, digo, desculpem, saída da Base Aérea Creech da Força Aérea, em Nevada.

Aviões-robôs drones humanitários comandados à distância 
Por que ninguém pensou nisso antes?! Um exército de aviões-robôs, drones, comandados à distância (por enquanto são apenas cinco, com base no sul da Itália), em vez de coturnos no chão. O chefe do Pentágono Robert Gates até já disse que os aviões-robôs atacarão a Líbia por “motivos humanitários” (ninguém percebeu nem o sarcasmo nem as câmeras nos aviões-robôs). Gates já mentira ao Congresso dos EUA alguns dias antes: disse que o papel dos EUA na Líbia estaria encerrado no instante em que a OTAN assumisse.

Portanto, é hora de os pilotos à distância sentarem a pua nos controles dos aviões-robôs: o inferno, ao alcance de um toque no mause. Eis a techno-guerra dos EUA, no seu momento de glória: tragam a criançada que cresceu lutando em videogames, para lutar – é tudo virtual! – no deserto. Todos os sistemas de comando dos drones foram modelados como videogames.

Os mísseis Hellfire, na Líbia, atacarão os seguintes alvos: Produto Interno Bruto per capita de US$14.192; salário-desemprego de mais de $730 por mês; salários de $1.000/mês para enfermeiros do Estado; financiamento sem juros para casais recém-constituídos, para que comprem a primeira casa e o primeiro carro. Muitos desempregados norte-americanos adorariam ganhar passagem só de ida para Trípoli, se essas notícias se espalham!

Liberados os aviões-robôs para atacar a Líbia, Washington pode fingir que não está expandindo sua “ação militar cinética” – não é guerra. Kissinger acertou pelo menos uma: Obama apostou nessa guerra aérea em que não morrem pilotos, para chegar a 2012 e reeleger-se.

Há o problema dos malditos “danos colaterais” (mas quem liga? Os aviões-robôs podem permanecer 24 horas no ar – o que, na novilíngua do Pentágono, chama-se “persistência estendida”). Os militares de Gaddafi já se metamorfosearam e desapareceram entre os civis à maneira guerrilheira de Mao Tse Tung e Ho Chi Minh. O Vietnã de Obama está afundando – processo que, para o almirante Mike Mullen, chefe do comando do estado-maior dos EUA, estaria “com certeza andando rumo a um impasse”.

AfPak, teu nome é impasse (e danos colaterais): um avião-robô Predator matou pelo menos 25 civis em Mir Ali, 35 km a leste de Miranshah, na área tribal do Waziristão Norte – no dia em que os ‘rebeldes’ líbios comemoravam a chegada dos mesmos aviões-robôs. Forças relacionadas a Gaddafi por laços empresariais – e tribais –, já estão afinando técnicas de “já derrubou o seu Predator de hoje?” que os paquistaneses lhes trouxeram; uma dessas técnicas implica posicionar quatro atiradores, cada um com uma reles bazuca lança-granadas.

Pena que a empresa Northrop Grumman ainda não possa distribuir sua máquina X-47B –, avião-robô armado matador, que foi lançado em fevereiro desse ano, com direito a vídeo com trilha sonora à moda da banda Blue Oyster Cult
[2]. O avião-neorrobô-matador só estará disponível para comercialização em 2013 – depois da reeleição de Barack ‘Guerra’ Obama.

Simultaneamente, os jogos de videogame começarão a incluir alguns acidentes “moralmente aceitáveis” (“danos colaterais”). E a Operação Alvorada da Odisseia afinal mostrará a que veio. Os EUA, de volta ao trono onde se sentem mais seguros – não como Ulisses no Mediterrâneo, mas como Zeus Todo Poderoso, lançando aviões-robôs-armados, em vez de raios.

Pode ser hora de remix de concurso futurista de dança à velha moda chapada-caidaça, de Weapon of Choice [Arma Preferida], de Fatboy Slim. No papel título, em vez de Christopher Walken (como se vê/ouve em 
http://www.youtube.com/watch?v=XbNzOV6vhD0), um drone-matador dançante desenhado pela Pixar. E, como mestre de cerimônia, o Marechal de Campo von Trump, livre, afinal, para entrar e pegar o petróleo. OK. Não deu certo no Iraque. Quem sabe funciona na Líbia?





[1] NOTA DOS TRADUTORES: Sobre essas falas de Kissinger nesse mês de abril, a página “Bellum” (http://bellum.stanfordreview.org/?p=3260), da ultraconservadora revista The Stanford Review(http://stanfordreview.org/) da Universidade de Stanford, diz o seguinte: “Não há registro de nenhum evento na GWU nos dias 8-10/4 (...). Kissinger tampouco falou no evento do Aspen Institute dia 7/4. E não há qualquer evidência de que tenha falado na Conferência Bretton Woods II, realizada nos dias 8-11 de abril”.
Mas em 
http://www.trilateral.org/go.cfm?do=File.View&fid=166, vê-se que Kissinger participou das reuniões de uma Comissão Trilateral, no domingo, 10/4. Essa informação, inexistente hoje cedo, apareceu agora, meio da tarde, na página “Bellum”, como “Up date”. Ao que tudo indica, há uma ‘polêmica’ em curso, nos EUA, sobre se Kissinger disse ou não disse o quê. O mais provável é que Kissinger disse sim, o que se lê nessa coluna de Pepe Escobar, mas tem interesse em fazer crer que não disse (no Brasil, por exemplo, nenhum leitor de jornal ou telespectador de televisão foi informado sobre qualquer fala de Kissinger nessa direção, o que sugere fortemente que, sim, Kissinger disse o que Pepe Escobar disse que Kissinger disse. O ‘fato’, mais uma vez e como sempre, não interessa. O que interessa, como sempre, é pensar mais aplicadamente sobre o possível (o que Pepe Escobar mais uma vez nos ajuda a fazer, nessa coluna), do que sobre algum pressuposto ‘fato acontecido’ sobre o qual, fatal e infalivelmente, nunca se pode saber tudo – apesar de a página “Bellum” da ultraconservadora revista The Stanford Review e toda a ‘mídia’ no Brasil ainda insistirem que, sim, o William Waack saberia de tuuuuuuuuuuuuuudo. Só rindo!

Sobre a Conferência Bretton Woods II em 2011, promovida pelo Institute for New Economic Thinking (INET), de George Soros, há boa informação em
http://www.americanfreepress.net/html/bretton_woods_ii_265.html.
[2] Filme de propaganda de dois minutos do primeiro voo histórico do X-47B Sistema de Combate Aéreo Comandado à Distância da Marinha dos EUA, projetado e construído pela Northrop Grumman Corporation. O voo-demonstração aconteceu dia 4/2/2011 na base aérea de Edwards, na Califórinia (emhttp://www.youtube.com/watch?v=UIq5dT7D_ic&feature=player_embedded).

terça-feira, 29 de março de 2011

Jimi Hendrix like a rolling stone

Em homenagem à corajosa matéria da Rolling Stone deste final de semana (www.rollingstone.com/kill-team), um vídeo do tempo em que ainda nos importávamos com as pedras que rolam por aí.


Os EUA não estão falidos



Avante, Madison! Força! Estamos com vocês!




Ao contrário do que diz o poder, que quer que vocês desistam das pensões e aposentadorias, que aceitem salários de fome, e voltem para casa em nome do futuro dos netos de vocês, os EUA não estão falidos. Longe disso. Os EUA nadam em dinheiro. O problema é que o dinheiro não chega até vocês, porque foi transferido, no maior assalto da história, dos trabalhadores e consumidores, para os bancos e portfólios dos hiper mega super ricos.

Hoje, 400 norte-americanos têm a mesma quantidade de dinheiro que metade da população dos EUA, somando-se o dinheiro de todos.

Vou repetir. 400 norte-americanos obscenamente ricos, a maior parte dos quais foram beneficiados no ‘resgate’ de 2008, pago aos bancos, com muitos trilhões de dólares dos contribuintes, têm hoje a mesma quantidade de dinheiro, ações e propriedades que tudo que 155 milhões de norte-americanos conseguiram juntar ao longo da vida, tudo somado. Se dissermos que fomos vítimas de um golpe de estado financeiro, não estamos apenas certos, mas, além disso, também sabemos, no fundo do coração, que estamos certos.

Mas não é fácil dizer isso, e sei por quê. Para nós, admitir que deixamos um pequeno grupo roubar praticamente toda a riqueza que faz andar nossa economia, é o mesmo que admitir que aceitamos, humilhados, a ideia de que, de fato, entregamos sem luta a nossa preciosa democracia à elite endinheirada. Wall Street, os bancos, os 500 da revista Fortunegovernam hoje essa República – e, até o mês passado, todos nós, o resto, os milhões de norte-americanos, nos sentíamos impotentes, sem saber o que fazer.

Nunca freqüentei universidades. Só estudei até o fim do segundo grau. Mas, quando eu estava na escola, todos tínhamos de estudar um semestre de Economia, para concluir o segundo grau. E ali, naquele semestre, aprendi uma coisa: dinheiro não dá em árvores. O dinheiro aparece quando se produzem coisas e quando temos emprego e salário para comprar coisas de que precisamos. E quanto mais compramos, mais empregos se criam. O dinheiro aparece quando há sistema que oferece boa educação, porque assim aparecem inventores, empresários, artistas, cientistas, pensadores que têm as ideias que ajudam o planeta. E cada nova ideia cria novos empregos, e todos pagam impostos, e o Estado também tem dinheiro. Mas se os mais ricos não pagam os impostos que teriam de pagar por justiça, a coisa toda começa a emperrar e o Estado não funciona. E as escolas não ensinam, nem aparecem os mais brilhantes capazes de criar mais e mais empregos. Se os ricos só usam seu dinheiro para produzir mais dinheiro, se de fato só o usam para eles mesmos, já vimos o que eles fazem: põem-se a jogar feito doidos, apostam, trapaceiam, nos mais alucinados esquemas inventados em Wall Street, e destroem a economia. 

A loucura que fizeram em Wall Street custou-nos milhões de empregos. O Estado está arrecadando menos. Todos estamos sofrendo, como efeito do que os ricos fizeram.

Mas os EUA não estão falidos, amigos. Wisconsin não está falido. Repetir que o país está falido é repetir uma Enorme Mentira. As três maiores mentiras da década são: 1) os EUA estão falidos, 2) há armas de destruição em massa no Iraque; e 3) os Packers não ganharão o Super Bowl sem Brett Favre.

A verdade é que há muito dinheiro por aí. MUITO. O caso é que os homens do poder enterraram a riqueza num poço profundo, bem guardado dentro dos muros de suas mansões. Sabem que cometeram crimes para conseguir o que conseguiram e sabem que, mais dia menos dias, vocês vão querer recuperar a parte daquele dinheiro que é de vocês. Então, compraram e pagaram centenas de políticos em todo o país, para conduzirem a jogatina em nome deles. Mas, p’ro caso de o golpe micar, já cercaram seus condomínios de luxo e mantêm abastecidos, prontos para decolar, os jatos particulares, motor ligado, à espera do dia que, sonham eles, jamais virá. Para ajudar a garantir que aquele dia nunca cheguasse, o dia em que os norte-americanos exigiriam  que seu país lhes fosse devolvido, os ricos tomaram duas providências bem espertas:

1. Controlam todas as comunicações. Como são donos de praticamente todos os jornais e redes de televisão, espertamente conseguiram convencer muitos norte-americanos mais pobres a comprar a versão deles do Sonho Americano e a eleger os candidatos deles, dos ricos. O Sonho Americano, na versão dos ricos, diz que vocês também, algum dia, poderão ser ricos – aqui é a América, onde tudo pode acontecer, se você insistir e nunca desistir de tentar! Convenientemente para eles, encheram vocês com exemplos convincentes, que mostram como um menino pobre pode enriquecer, como um filho criado sem pai, no Havaí, pode ser presidente, como um rapaz que mal concluiu o ginásio pode virar cineasta de sucesso. E repetirão essas histórias mais e mais, o dia inteiro, até que vocês passem a viver como se nunca, nunca, nunca, precisassem agitar a ‘realidade’ – porque, sim, você – você, você mesmo! – pode ser rico/presidente/ganhar o Oscar, algum dia! 

A mensagem é clara: continuar a viver de cabeça baixa, nariz virado p’ro trilho, não sacuda o barco, e vote no partido que protege hoje o rico que você algum dia será.

2. Inventaram um veneno que sabem que vocês jamais quererão provar. É a versão deles da mútua destruição garantida. E quando ameaçaram detonar essa arma de destruição econômica em massa, em setembro de 2008, nós nos assustamos,
Quando a economia e a bolsa de valores entraram em espiral rumo ao poço, e os bancos foram apanhados numa “pirâmide Ponzi” global, Wall Street lançou sua ameaça-chantagem: Ou entregam trilhões de dólares do dinheiro dos contribuintes dos EUA, ou quebramos tudo, a economia toda, até os cacos. Entreguem a grana, ou adeus poupanças. Adeus aposentadorias. Adeus Tesouro dos EUA. Adeus empregos e casas e futuro. Foi de apavorar, mesmo, e nos borramos de medo. “Aqui, aqui! Levem tudo, todo o nosso dinheiro. Não ligamos. Até, se quiserem, imprimimos mais dinheiro, só pra vocês. Levem, levem. Mas, por favor, não nos matem. POR FAVOR!"

Os economistas executivos, nas salas de reunião e nos fundos rolavam de rir. De júbilo. E em três meses lá estavam entregando, eles, uns aos outros, os cheques dos ricos bônus obscenos, maravilhados com o quão perfeita e absolutamente haviam conseguido roubar uma nação de otários. Milhões perderam os empregos: pagaram pela chantagem e, mesmo assim, perderam os empregos, e milhões pagaram pela chantagem e perderam as casas. Mas ninguém saiu às ruas. Não houve revolta.

Até que... COMEÇOU! Em Wisconsin!
Jamais um filho de Michigan teve mais orgulho de dividir um mesmo lago com Wisconsin!
Vocês acordaram o gigante adormecido – a grande multidão de trabalhadores dos EUA. Agora, a terra treme sob os pés dos que caminham e estão avançando!

A mensagem de Wisconsin inspirou gente em todos os 50 estados dos EUA. A mensagem é “Basta! Chega! Basta!” Rejeitamos todos os que nos digam que os EUA estão falidos e falindo. É exatamente o contrário. Somos ricos! Temos talento e ideias e sempre trabalhamos muito e, sim, sim, temos amor. Amor e compaixão por todos os que – e não por culpa deles – são hoje os mais pobres dos pobres. Eles ainda querem o mesmo que nós queremos: Queremos nosso país de volta! Queremos, devolvida a nós, a nossa democracia! Nosso nome limpo. Queremos de volta os Estados Unidos da América.

Não somos, não queremos continuar a ser, os Estados dos Business Unidos da América!

Como fazer acontecer? Ora, estamos fazendo aqui, um pouco, o que o Egito está fazendo lá. E o Egito faz, lá, um pouco do que Madison está fazendo aqui.

E paremos um instante, para lembrar que, na Tunísia, um homem desesperado, que tentava vender frutas na rua, deu a vida, para chamar a atenção do mundo, para que todos vissem como e o quanto um governo de bilionários lá estava, afrontando a liberdade e a moral de toda a humanidade.

Obrigado, Wisconsin. Vocês estão fazendo as pessoas ver que temos agora a última chance de vencer uma ameaça mortal e salvar o que nos resta do que somos.

Vocês estão aqui há três semanas, no frio, dormindo no chão – por mais que custe, vocês fizeram. E não tenham dúvidas: Madison é só o começo. Os escandalosamente ricos, dessa vez, pisaram na bola. Bem poderiam ter ficado satisfeitos só com o dinheiro que roubaram do Tesouro. Bem se poderiam ter saciado só com os empregos que nos roubaram, aos milhões, que exportaram para outros pontos do mundo, onde conseguiam explorar ainda mais, gente mais pobre. Mas não bastou. Tiveram de fazer mais, queriam ganhar mais – mais que todos os ricos do mundo. Tentaram matar a nossa alma. Roubaram a dignidade dos trabalhadores dos EUA. Tentaram nos calar pela humilhação. Nos tiraram a mesa de negociações!

Recusam-se até a discutir coisas simples como o tamanho das salas de aula, ou o direito de os policiais usarem coletes à prova de balas, ou o direito de os pilotos e comissários de bordo terem algumas poucas horas a mais de descanso, para que trabalhem com mais segurança para todos e possam fazer melhor o próprio trabalho –, trabalho que eles compram por apenas 19 mil dólares anuais.

Isso é o que ganham os pilotos de linhas curtas, talvez até o piloto que me trouxe hoje a Madison. Contou-me que parou de esperar algum aumento. Que, agora, só pede que lhe deem folgas um pouco maiores, para não ter de dormir no carro entre os turnos de voo no aeroporto O'Hare. A que fundo do poço chegamos!

Os ricos já não se satisfazem com pagar salário de miséria aos pilotos: agora, querem roubar até o sono dos pilotos. Querem humilhar os pilotos, desumanizá-los e esfregar a cara dos pilotos na própria vergonha. Afinal, piloto ou não, ele não passa de mais um sem-teto...

Esse, meus amigos, foi o erro fatal dos Estados dos Business Unidos da América. Ao tentar nos destruir, fizeram nascer um movimento – uma revolta massiva, não violenta, que se alastra pelo país. Sabíamos que, um dia, aquilo teria de acabar. E acabou agora, já começou a acabar.

A mídia não entende o que está acontecendo, muita gente na mídia não entende. Dizem que foram apanhados desprevenidos no Egito, que não previram o que estava por acontecer. Agora, se surpreendem e nada entendem, porque tantas centenas de milhares de pessoas viajam até Madison nas últimas semanas, enfrentando inverno brutal. “O que fazem lá, parados na rua, com vento, com neve?” Afinal... houve eleições em novembro, todos votaram... O que mais podem desejar?!” “Está acontecendo algo em Madison. Que diabo está acontecendo lá? Quem sabe?”

O que está acontecendo é que os EUA não estão falidos. A única coisa que faliu nos EUA foi a bússola moral dos governantes. Viemos para consertar a bússola e assumir o timão para levar o barco, agora, nós mesmos.

Nunca esqueçam: enquanto existir a Constituição, todos são iguais: cada pessoa vale um voto. Isso, aliás, é o que os ricos mais detestam por aqui. Porque, apesar de eles serem os donos do dinheiro e do baralho e da mesa da jogatina, um detalhe eles não conseguem mudar: nós somos muitos e eles são poucos!

Coragem, Madison, força! Não desistam!
Estamos com vocês. O povo, unido, jamais será vencido.