quinta-feira, 31 de maio de 2012

Contradição?

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr



Em diálogo de 29/04/2009, gravado com autorização judicial, Demóstenes fala com Cachoeira e, pela conversa, demonstra saber claramente das atividades ilícitas mantidas pelo contraventor.

Eis o diálogo:

Demóstenes: "Eu peguei o texto ontem da lei para analisar. É aquela que transforma contravenção em crime. Que importância tem a aprovação disso?"

Cachoeira: "É bom demais, mas aí também regulamenta as estaduais."

Demóstenes: "Regulamenta, não. Vou mandar o texto procê. O que tá aprovado lá é o seguinte: "transforma em crime qualquer jogo que não tenha autorização". Então, inclusive te pega, né? Então, vou mandar o texto pra você. Se você quiser votar, tudo bem, eu vou atrás. Agora a única coisa que tem é criminalização, transforma de contravenção em crime, não regulariza nada."

Foquemos no momento em que Demóstenes diz: "Transforma em crime qualquer jogo que não tenha autorização. Então, inclusive te pega, né?". Ou seja, pela conversa, demonstra saber que Cachoeira comanda uma rede de jogatina ilícita, e passaria de contraventor a criminoso com a aprovação daquele projeto de lei.

MAS, e isto me parece extremamente importante (e parece não ter sido notado pelos membros do Conselho de Ética ou pela imprensa), Demóstenes caiu em contradição nesta terça, no Conselho. Ao ser perguntado pelo relator da representação, senador Humberto Costa, desde quando teria ficado sabendo que seu amigo Cachoeira era um contraventor, respondeu: "no dia em que ele foi preso, 29 de fevereiro" [de 2012].

É contradição ou impressão minha?

terça-feira, 29 de maio de 2012

Sepúlveda, sobre Gilmar

Respeito mútuo

Sepúlveda Pertence, ex-presidente do STF (Foto STF/divulgação)

Comentários do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Sepúlveda Pertence, que teve o seu nome citado em matéria publicada pela revista Veja que circula a partir de hoje (26). Na matéria, a revista revela  suposto encontro entre o ex-presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva e o ministro do STF, Gilmar Mendes no escritório de advocacia do ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, a respeito do processo do “mensalão”:

Seguem os comentários do ministro Sepúlveda Pertence:

1 – Apesar das velhas relações pessoais de amizade, o ex-presidente Lula jamais falou comigo sobre processo judicial algum: exceto, muito antes de ser presidente da República, quando se tratava dos processos contra o Lula, líder sindical, naqueles processos a que respondeu na Justiça Militar, em que tive a honra de participar de sua defesa.
2- Particularmente sobre matéria da revista Veja, o ex-presidente da República jamais me falou sobre o chamado processo do “mensalão”: ele sabe que eu não me prestaria a fazer pedido à ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, nem ela aceitaria qualquer conversa minha a propósito. Por esse respeito mútuo, é que somos tão amigos.
3- Lamento que um ministro do Supremo [Gilmar Mendes] se tenha posto, supostamente, a dar declaração sobre conversas, reais ou não, que tenha tido com um ex-presidente da República no escritório de um político e advogado.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Gilmar, o audacioso

Reproduzo aqui postagem do jornalista (ou melhor, "blogueiro sujo", como ele mesmo ironiza) Paulo Henrique Amorim, em seu Conversa Afiada.

...

Tirésias, o Profeta, não foi ao Encontro de Blogueiros que adotou o lema “Nada além da Constituição”.
O computador do Profeta travou quando lhe caiu uma bolinha de papel em cima.
Do computador.

Mas, ligou com uma voz assim parecida com a do Nelson Johnbim ao conversar com colonista de hábitos do Globo – clique aqui para ler “Gilmar tem que processar o Lula”.

O Profeta começou assim:
- O Gilmar é o nosso Danton.
- Dalton Trevisan, profeta ? A ligação está péssima.
- Danton, meu filho. Danton da Revolução Francesa.
- Mas, sábio mestre, o Gilmar detesta a França. A paixão dele é a Alemanha.
- Dele e do Demóstenes.
- E do Cachoeira, Mestre.

- Deixa pra lá. O que eu quero dizer é que o Gilmar resolveu recorrer à máxima audâcia. Como  o Danton, que bradava: audácia, audácia, mais audácia, sempre audácia !
- Tirésias, por favor, seja mais claro.
- O Gilmar sabe que acharam ele na CPI. Tá lá dentro. A relação dele com o Demóstenes vai muito além do grampo sem áudio. (Clique aqui para ler “Gilmar não explica Demóstenes: ‘o Gilmar mandou buscar’ ” e aqui para ler “Gilmar intima Demóstenes a jantar”.)
- Tudo bem, mas por que chutar o balde e dizer aquilo à Veja (clique aqui para ler “Gilmar tem que processar Lula”.)
- Pra melar a CPI.
- Como ele conseguiria isso ?
- Ele vai poder dizer que tudo o que aparecer contra ele é uma retaliação por não ter lutado para adiar o mensalão. E tudo mais o que vier lá de dentro não presta !
- A melhor defesa é o ataque.
- É uma vacina. Ele tenta se vacinar contra o que estiver por vir.

- Caramba, mestre. Va ser audacioso assim em Anápolis !
- Ou em Diamantino.
- É, pode ser.

- Com essa arapuca que ele armou ele atinge os seguintes objetivos: força o Supremo a votar logo o mensalão.
- Não sei, Profeta. O Supremo tirou a faca do pescoço.
- Bom, o nosso Máximo Audacioso tenta engrossar o caldo para condenar o Dirceu … No PiG, nos leitores do PiG e até o Supremo.
- Mas ainda precisa engrossar esse caldo ?
- Meu filho, agora ele vai poder dizer: o Dirceu é tão, mas tão criminoso que o Lula ousou me chantagear!
- E alguém vai acreditar nisso ?
- Isso já não é problema de um audacioso. O audacioso ousa. Se colar, colou.

- O objetivo dele mesmo, na minha modestíssima opinião, é se vacinar contra o  que a CPI revelar a respeito dele.
- Sim, claro, antes de tudo ele é um político. A Suprema Corte é uma casa política, mas ele é o mais político de todos ali.
- Político conservador.
- Sempre! À direita do PFL !

- Calma , Mestre.
- Estou calmíssimo. Ele jogou politicamente. Pra melar a CPI, tirar a Veja do foco, condenar o Dirceu e se fingir de vítima de suspeitas infundadas.
- É, mas pode ser o esperto que tropeça nas próprias pernas …
- Tá ficando sabido, garoto !

- Você sabe o que aconteceu ao Danton depois de pronunciar aquela frase?
- Não, caro mestre.
- Morreu na guilhotina.

Pano rapido.


Paulo Henrique Amorim

Dallari cantou a pedra?


Degradação do Judiciário

por DALMO DE ABREU DALLARI * (artigo publicado em 08.05.2002, na Folha de S. Paulo)



Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.
Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente — pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga –, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.
É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas.
Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.
Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.
Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.
E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de liminares”.
A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público — do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários — para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou “ação entre amigos”. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.


* Dalmo de Abreu Dallari, 70, advogado, é professor da Faculdade de Direito da USP.