Apesar das limitações inerentes a uma criação humana (afinal, todo ser humano é falho), o judiciário ainda é a derradeira esperança para aqueles que esperam por justiça no âmbito terreno (se é que existe outro "âmbito" além deste). Esta introdução, um tanto quanto óbvia, comemora duas ações ajuizadas recentemente, patrocinadas pelo eminente jurista Fábio Konder Comparato. Uma é relativa a um caso de tortura e morte durante a ditadura militar; a outra é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) relacionada à regulamentação das empresas de comunicação no Brasil.
A ação relativa ao período da ditadura ("ditabranda", segundo a Folha de SP) é movida pelos familiares do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, torturado e assassinado nas dependências do DOI-CODI paulista, supostamente a mando do arrogante coronel Brilhante Ustra, considerado um dos principais carrascos da ditadura militar.
A morte de Merlino foi escondida pelos órgãos repressores que, dias depois, disseram que o jornalista teria "cometido suicídio", ao se jogar em frente a um "veículo não identificado" na BR-116, quando era levado a Porto Alegre para "reconhecimento de colegas militantes" (leia-se "delação sob tortura"). A verdade veio à tona tempos mais tarde: o jornalista fora torturado por cerca de 24 horas, na sede do DOI-CODI paulista, e abandonado numa solitária até a morte.
Na missa de sétimo dia de Merlino, a hipócrita crueldade: os mesmos agentes que arrancaram Merlino da casa de sua família para devolver-lhe apenas morto ocupavam os primeiros bancos da igreja, e deram os pêsames à mãe enlutada.
Quem lê o relato desta e outras atrocidades cometidas nos porões da ditadura - defendida, diga-se de passagem, inclusive em editorias de alguns dos principais veículos de comunicação da época - jamais poderá se colocar a favor de uma anistia que alcance torturadores e assassinos.
A outra ação, protocolada nesta terça-feira junto ao STF, trata-se de uma Adin por omissão. Grosso modo, é uma ação que visa a mostrar que dispositivos da Constituição estão sendo descumpridos em função da omissão do Congresso Nacional, ao deixar de editar as leis que regulamentariam determinado tema. No caso, questões relativas à regulamentação da imprensa. A ação pede regulamentação do direito de resposta, sem o qual a imprensa pode atacar reputações quase que impunemente. Pede ainda a regulamentação do art. 221 da CF, que trata do conteúdo das programações de emissoras de rádio e TV, respeitando "valores éticos e sociais".
Mas o pedido mais importante na ação é quanto ao que pede que o Congresso regulamente o art. 220 da CF, o qual proíbe o monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social. Que, atualmente, ocorre descaradamente no País, com óbvios prejuízos à formação da chamada "opinião pública", manipulada pelas diretrizes de poucas famílias detentoras de poderosos conglomerados de comunicação.
O momento atual, quando se observa a desproporcional influência exercida pela grande mídia em prol de uma das candidaturas à presidência (e, por consequência, de um determinado modelo político), é mais que propício a uma ação como esta. É fundamental.
A mídia tradicional perde força quando confrontada com novos modelos mais "horizontais" de comunicação, como ocorre hoje na internet, em blogs, fóruns de discussão, twitter etc. Ainda assim (e apesar do festival de manipulação patrocinado por alguns veículos), continua contando com parcela significativa de crédito junto à população. Me coloco como exemplo. Quando saiu a informação, no Facebook, de que uma ex-aluna da esposa de José Serra teria admitido ter feito aborto, hesitei em acreditar, e até mesmo sugeri que não disseminassem o fato, pois poderia ser uma armadilha para vitimizar o tucano. Só fui acreditar na veracidade quando vi a ex-aluna confirmar a informação a jornais tradicionais, como aos estrangeiros Página 12, Clarín, La Nacion, ou mesmo ao brasileiro Folha.
Em tempo: não entro no mérito do aborto em si. Creio que cabe muito mais às mulheres esta discussão. A questão é a hipocrisia contida nas críticas de quem, supostamente, teria praticado o mesmo ato.
O vice-presidente do Congresso Mundial Judeu, rabino Marc Schneider, disse nesta semana que acusar Israel de promover ocupação ilegal nos territórios palestinos seria "um insulto" a Israel. Pois bem, sr. rabino: então eu (e a quase totalidade da comunidade internacional) mantenho essa opinião, baseado principalmente (entre outras) nas resoluções nºs 446 e 478 da ONU. Ou seja, se este argumento é um insulto, continuarei a insultar Israel até que este Estado fascista pare de insultar os direitos humanos e o Direito Internacional.
Resolução 446 da ONU: (...) a criação de Assentamento israelita [assentamentos] por parte de Israel nos territórios árabes ocupados desde 1967 não tem validade legal e constitui um sério obstáculo para o lucro de uma paz completa...
Resolução 478 da ONU: (...) A resolução "censura nos termos mais enérgicos" a Lei de Jerusalém [aprovada por Israel, considerando Jerusalém como "cidade inteira e unificada, como capital de Israel"] e afirma que esta lei é uma violação do direito internacional e não afecta à contínua aplicabilidad em Jerusalém do Convênio de Genebra relativo à protecção de pessoas civis em tempo de guerra. Ademais, determina que a Lei de Jerusalém e todas as demais medidas e actos legislativos e administrativos adoptados por Israel, a potência ocupante, que têm alterado ou pretendam alterar o carácter e o estatuto de Jerusalém "são nulos e carentes de valor e devem deixar-se sem efeito imediatamente"...
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