quinta-feira, 8 de julho de 2010

Berlusconi assusta a Europa com a sua Lei da Mordaça


De Roma, especial para TERRA MAGAZINE

–1. No Brasil, já se tentou, – por projetos de lei e de emenda constitucional –, amordaçar a imprensa. Também o ministério Público, defensor da sociedade, que o ministro Nelson Jobim entende que não está legitimado a investigar a materialidade e autoria de crimes. Em outras palavras e para deixar frisado o ridículo, o Ministério Público, que tem o poder-dever de propor a ação criminal pública, não pode colher elementos para propor tal ação.

Hoje, no Brasil, a mordaça tem aparecido em canhestras decisões judiciais. Todos lembram o caso do filho do senador Sarney. Ele logrou, por decisão judicial, silenciar o jornal O Estado de S.Paulo, que, com base no interesse público, informou, até com apoioe em interceptação telefônica vazada, as suas grossas falcatruas.

Para o projeto de Berlusconi, – já aprovado no Senado onde tem larga maioria –, nenhum dado de investigação pode ser revelado pela mídia enquanto não houver decisão condenatória com trânsito em julgado. Para se ter idéia, a duração média de um processo sobre corrupção na Itália é superior a cinco anos. Tão moroso como no Brasil.
Notícias sobre crimes consumados ou com reflexos na Itália, – por um Berlusconi que fala que quer assegurar a “privacidade” dos cidadãos mas é o principal beneficiário da medida –, só podem ser dadas, pela imprensa, depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, enquadrando-se no tipo penal não só o responsável pelo vazamento mas, também, o responsável pelo veículo informativo de mídia e o jornalista subscritor ou autor da matéria.

Dois ministros de Berlusconi, – depois do informado e comprovado pela imprensa –, demitiram-se em casos de corrupção flagrante. Um deles, responsável pela pasta de obras públicas, ganhou de presente, de um construtor que vencia as grandes licitações, um luxuoso e valioso apartamento com vista para o Coliseu. O outro ministro que caiu fora recebeu, em doação feita pela Igreja através da Propaganda Fede, um apartamento na valorizada via dei Prefetti, próximo à famosa piazza di Spagna. Em troca, o estado laico italiano reformou prédios da Igreja (Propaganda Fede) no supervalorizado centro histórico romano.

Caso estivesse em vigor a lei da mordaça de Berlusconi, nada poderia ser informado sobre esses dois supracitados ex-ministros. Nem o que um deles, Scajola, disse em entrevista,ou seja, de não saber quem pagou pelo apartamento onde mora com vista ao Coliseo, passado e registrado em seu nome.

–2. Amanhã, na Itália, os jornais, as rádios, as televisões, as agências de noticiais e as infovias informativas estarão em greve, por 24 horas.

O silêncio nacional só será quebrado, evidentemente, pelos veículos pertencentes ao clã Berlusconi. Por antidemocrática a ponto de aniquilar o direito do cidadão de ser informado, a iniciativa de Berlusconi, que joga pesado para a aprovação, assusta e preocupa a Europa. Uma Europa que viveu, no começo da semana, uma animação em face da decisão do povo polonês. Este preferiu a integração européia e, portanto, afastou o candidato cato-fascista Kazinsky, irmão gêmeo do antigo chefe de governo falecido em recente desastre aéreo. Kazinsky, por ser populistas, contou com o apoio da Igreja católica.

–3. Berlusconi, depois da grande manifestação popular ocorrida em 1 de julho passado na praça Navona (onde fica o prédio da embaixada do Brasil), reagiu em estilo mussoliniano. Pediu as italianos uma grave, ou seja, que não comprassem e nem lessem os jornais que lhe fazem oposição.

Para se ter idéia e caso essa mordaça berlusconiana entrasse em vigor no Brasil, nada se poderia ser publicado sobre os mensalões. Arruda, por exemplo, continuaria governador, pois nada se saberia sobre as conversas telefônicas que lhe comprometiam. Na França, o escândalo Sarkozy-L’Oreal, com fundos recolhidos ilegalmente para a sua campanha e envelopes mensais de dinheiro entregues quando era prefeito, não poderia ser informado pela mídia..

–4. A greve de amanhã representa um protesto a tutelar os cidadãos, cuja mordaça de Berlusconi nega-lhe o direito de ser livremente informado: o direito constitucional que todo o cidadão possui, numa democracia, de saber e conhecer. Tudo para que possa, livremente, formular um juízo.

–5. PANO RÁPIDO. “Nós estamos a preparar a defesa dos que têm a privacidade devassada”, sustenta Berlusconi sem corar. Na verdade, trata-se de uma tutela em causa própria: uma auto-tutela berlusconiana. Ela conta com o apoio dos mafiosos, por evidente. A mordaça de Berlusconi não é para a defesa da malavita, para usar a expressão consagrada nos filmes de Federico Fellini.

– Wálter Fanganiello Maierovitch – jurista e professor

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