quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Compromisso com a sociedade

Marcos Ronchetti: Governadora, tem... chegou às suas mãos uma lista com um nome de Gelson Stock.

Yeda Crusius: Stocker.

Ronchetti: Esse é fundador do PSDB. Fez campanha nacional, ele ajudou na campanha nacional do nosso ex-governador de São Paulo, lá... Esqueci o nome, o que morreu...

Yeda: Mario Covas?

Ronchetti: Mário Covas.

Yeda: Oh, que legal!

Ronchetti: Ele fez, é fundador, ele é no meio dele ele foi aprovadíssimo. Enfim, para essa indicação de desembargador, se a senhora puder ajudar, eu estou lhe dando as recomendações dele que é uma pessoa de altíssima competência.

Yeda: Muito obrigada. Sendo um dos três já é uma prova de que ele é de altíssima competência. Eu já busquei saber também dele né... É uma maravilha que a gente tenha alguém desse porte, né?

Ronchetti: Ele é, pode ter certeza.

Yeda: E também eu aprendi durante esse ano, viu, Ronchetti, que eu vou usar a caneta para nomear quem tenha compromisso com o governo.

Ronchetti: Ele tem. Ele é do PSDB desde a sua fundação. Ajudou na minha primeira campanha, minha segunda campanha, ele é fundador nacional do PSDB.

Yeda: Que ótimo. Tá bom, obrigada pela indicação.




O diálogo acima, que pode ser ouvido aqui, em primeiro lugar responde a uma antiga provocação da governadora Yeda, que questionava: "existem gravações falando da governadora, mas onde estão as gravações da governadora?".


Mas, muito mais do que isso, expõe um dos fatos mais graves desde que uma quantidade nunca antes vista de lama começou a escorrer pelas escadas do Piratini. Quando agradece e aceita a indicação vinda do prefeito Ronchetti - investigado pelo Ministério Público por supostamente desviar mais de R$ 5 milhões que deveriam ser usados para alimentar crianças nas escolas públicas de Canoas -, sugerindo a nomeação de um desembargador cujo credenciamento mais destacado por Ronchetti é sua ligação histórica com o PSDB, Yeda demonstra claramente a ideia que tem com relação aos limites de cada poder.

O incansável advogado da governadora alega que a gravação é irrelevante (e está no papel dele ao fazê-lo). Mas, cá entre nós: irrelevante uma ova! Ao afirmar que somente vai usar a caneta para "nomear quem tenha compromisso com o governo", Yeda escancara seu modo de pensar, seu novo jeito de governar, pelo qual acredita que mesmo o Judiciário tem que estar a serviço do príncipe (ou da princesa). Está redondamente equivocada! Os magistrados devem comprometimento apenas e tão somente ao Estado, entendido aqui não como o ente estatal que exerce poder sobre a população, mas sim como um ente abstrato que tem na sociedade sua razão primeira e última de existir.

Há pouco que alegar em contrário. A gravação é clara, cristalina. E a pronta resposta do prefeito investigado, ao confirmar à governadora que aquele seu indicado realmente tinha o compromisso buscado, é inequívoca: "Ele tem [compromisso]. Ele é do PSDB desde a sua fundação".

Triste constatação nos traz estes poucos minutos de diálogo! A estrutura tripartite de poder pressupõe um sistema no qual a sociedade se protege da força que o Estado lhe impõe. Mas, quando o parlamento se omite de seu papel e protege o príncipe, e quando o Judiciário está "comprometido com o governo", o que se tem é um pobre povo desprotegido, à mercê de um governante despótico. E o que menos se tem é um Estado de Direito.

Dessa vez, a governadora foi longe demais!


Em tempo: será que nem isso vai ser suficiente para convencer nossos deputados a cumprirem sua obrigação, investigando a fundo tudo o que ocorreu neste trágico governo?

4 comentários:

Anônimo disse...

Quem vazou este diálogo omitiu fato importante. De quem era o telefone usado por Ronchetti para falar com a governadora e porque?

Anônimo disse...

É mais ou menos parecido com a indicação do Toffoli pra ministro do STF?!

Neila disse...

Indicações, influências e loby já conhecemos. Não são éticos, mas usuais - copiamos dos USA. Problema maior é ter desembargadores comprometidos com "governos" e não com o Estado de Direito e a Constituição.

Anônimo disse...

Inocência pensar que as nomeações de desembargadores não são políticas. Infelizmente o próprio sistema permite isso.
Pra mim essa situação não difere muito do que o Fernando Henrique fez na indicação do Gilmar Mendes ou Lula na indicação do Toffoli. Aliás, as indicações para ministro do STF são ainda mais graves, primeiro porque é para a mais alta corte do país, segundo porque os desembargadores, no estados, primeiro passam por uma seleção, chegando ao governador uma lista tríplice o que já pressupõe alguma competência, situação esta diversa dos ministros. Veja-se o Toffoli: 41 anos e somente a graduação, enquanto quase todos os ministros chegam ao Supremo com doutorado!
No fundo são todos iguais, a diferença é quem vê.