quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Mídia ao Avesso (coluna do Jornal Agora)


Até uns dias atrás, Mayara Petruso era uma ilustre desconhecida. E a jovem de 21 anos, estudante do 6º semestre de Direito, possivelmente continuaria no anonimato - e a salvo de processos - se tivesse feito seus comentários preconceituosos apenas para um grupo restrito de amigos e colegas de faculdade. Quantos de nós já não fomos politicamente incorretos uma vez na vida, em conversas privadas? No entanto, a jovem paulista expressou seu desgosto com a derrota de Serra no Twitter, uma nova ferramenta de comunicação que tem um poderoso potencial de rapidíssima disseminação do que ali se escreve. Com isso, passou de uma "maria ninguém" a uma celebridade negativa em um piscar de olhos. E agora possivelmente responderá a um incômodo processo penal.

A atitude da garota é, sem dúvida, condenável. Mas Mayara não deixa de ser um bode expiatório (ou uma cabra, no caso) e mesmo uma vítima do clima que se instaurou no País após a infame campanha do tucano José Serra, patrocinada e estimulada por boa parte da grande mídia. Dentre outros casos, muito já se falou, nos últimos dias, do mapa em azul e vermelho publicado por diversos veículos de comunicação, dividindo o Brasil numa parte meridional rica e desenvolvida (que teria preferido o tucano) "contra" a parte setentrional pobre e atrasada (que teria elegido a petista Dilma). E que, como já se provou, é uma falácia. Aqui mesmo no RS, Serra teve 50,94%, contra 49,06% de Dilma. Praticamente um empate. E não me consta que o RS seja um Estado de "vagabundos", "ignorantes" ou "dependentes de esmola do governo federal", entre outras acusações absurdas que se faz contra os nordestinos.

A campanha tucana também deu sua "contribuição" para essa lamentável onda de preconceito e divisionismo no País. Quem não lembra, por acaso, de Serra, durante a campanha deste ano, citando um baiano (nordestino) como exemplo de criminoso? Ou ainda, em 2006, quando o tucano afirmou que o problema dos maus resultados da Educação em SP eram os "migrantes" (nordestinos)? Ou mesmo do discurso da derrota de Serra, quando ele parabeniza seus eleitores por terem "cavado uma grande trincheira" (para combater a quem)?

Todo esse clima beligerante e preconceituoso gerou uma predisposição em alguns eleitores, sobretudo os mais imaturos e/ou os mais fanáticos. Agora, junte-se ao mesmo caldo de rancor a decepção pela derrota e a inevitável "flauta" virtual contra os perdedores (nos orkuts, facebooks e twitters da vida) e está pronta a armadilha na qual caíram Mayara e mais uma centena de pessoas, que agora deverão responder pela ingenuidade de terem se deixado levar pelo "canto da sereia" entoado em discursos políticos udenistas e ampliado pela grande mídia.

Ainda sobre o tema, não deixa de ser preocupante a provocante enquete no ar atualmente no Agora on-line. Embora acessável do mundo inteiro, obviamente a maior parte dos leitores é do RS. Perguntados sobre o que acham de políticas de ação afirmativa como Bolsa Família e lei de cotas raciais, até a tarde desta terça-feira, 43% dos leitores respondiam considerar "incorretas, pois fazem quem produz bancar a população pobre e improdutiva".

Derrotada na eleição, a próxima bandeira levantada pelos grandes veículos é contra a Constituição da República, mais precisamente contra o art. 224, que prevê claramente a criação de um Conselho de Comunicação Social. Esse conselho - bem como seus similares em estados e municípios - visa simplesmente a garantir que os canais de radiodifusão (TVs e rádios), bens públicos por definição, não sujeitem-se apenas e tão somente a interesses de uns poucos grupos privados. É interessante notar que, apesar de constar na Constituição desde 1988 e de ter uma lei regulamentando o CCS desde 1991, atualmente não existe nenhum conselho operando no País, achacados que são justamente pela grande mídia, que os sataniza como "instrumentos de censura" à "liberdade de imprensa".

Ora, não há setor no mundo sem regulação. Por que haveria o setor de comunicação no Brasil ficar ao largo de qualquer regramento? A quem isso beneficia senão às próprias empresas que atingiram um patamar de megaconglomerados de mídia, agrupando rádios, jornais, televisões e portais de internet, tudo sob o opaco manto de um mesmo grupo? E por que nosso Congresso também não regulamenta os demais artigos da Constituição que tratam do mesmo setor, como o art. 220, § 5º (que veda expressamente o monopólio ou o oligopólio midiático) ou o 221 (que estimula o conteúdo regionalizado, a promoção da cultura, da educação e o respeito aos valores éticos e sociais)?

Estão aí ótimas bandeiras para nossa mídia empunhar nos próximos anos. De temas que, esperamos, deverão mesmo vir à tona durante o mandato de Dilma Rousseff. É uma questão de escolha. E, obviamente, de interesses e valores. Resta saber quais interesses e valores falarão mais alto.

Por Germano S. Leite

Um comentário:

Anônimo disse...

Poi é Germaninho, eu convivo com esta realidade onde dou aula na "periferia" de RG.Alguns alunos frequentam as aulas noturnas, simplesmente para poder receber o BF.Eles odeiam estudar e são obrigados pela mãe ou pai a irem para não cancelarem o benefício. Até q ponto este assistencialismo, ou seja lá do q chamarem, favorece a população de baixa ou nenhuna renda?Eu pessoalmente não acho a melhor solução,pois essas pessoas se colocam dentro de uma cultura do vitimismo q a elas tudo tem q ser dado pq são coitadinhas.Por outro lado há pessoas na noite estudando valorosamente com idade mto além da escolar, digamos assim,pq acordaram pra realidade q as esperam daqui um tempo, ou seja, permanecerão excluídas de uma vida digna se não correrem atrás do prejuízo. Portanto quem quer vai pra frente, apesar das enormes dificuldades, déficit de aprendizagem, excesso de carga horária de trabalho e estudo,etc, mas estão peleando seu caminho com dignidade e força. Esperamos q a população mais jovem possa compreender o mundo com outros olhos ou então. continuarão nas costas assistenciais sem aprender a pescar o seu peixe. Abraço.