Investigado desde 2005, o contrato pelo qual a Prefeitura do Rio Grande concedeu a exploração dos serviços de limpeza urbana à empresa Rio Grande Ambiental S.A. vai agora ser questionado judicialmente. O Ministério Público Estadual (MPE) ajuizou no último dia 3 uma ação civil pública, no qual constam como réus o Município e a empresa, pedindo que o contrato, com valor original de mais de R$ 181 milhões, seja anulado, em função de supostas ilegalidades na forma de contratação, bem como por indícios de superfaturamento no preço do serviço.
A investigação iniciou-se em 2005, a partir de representação apresentada pelo Instituto de Preservação Ambiental e Cultural. Durante o inquérito civil, o promotor de Justiça Especializada do Rio Grande, José Alexandre Zachia Alan, apurou que a contratação da empresa teria sido feita de forma a infringir a Lei de Concessões e Permissões (Lei nº 8987/95), que determina que os serviços públicos prestados em regime de concessão devem ser feitos "por conta e risco" da empresa concessionária, sendo remunerados diretamente pelos usuários, através de tarifa ou contribuição de melhoria. Segundo o promotor, não existe qualquer possibilidade de contrato de concessão no qual o Poder Público remunere diretamente a concessionária.
No entanto, o contrato entre o Município e a Rio Grande Ambiental foi firmado com uma cláusula que estipula pagamentos feitos pela própria Administração, através da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, o que afronta a legislação, afirma o promotor. Zachia Alan aponta ainda que o contrato realizado traz "vantagem escancarada e ilegal" à empresa e, por consequência, "desvantagens ao erário". Os valores originais do contrato, assinado em setembro de 2005 pelo então prefeito Janir Branco, obrigavam a Prefeitura ao pagamento de R$ 9,052 milhões por ano à contratada.
O promotor defende que a legislação exige que, para contratos remunerados diretamente pelo Poder Público, o modelo a ser usado deve ser o de contratação de Prestação de Serviços, cujo prazo é limitado a, no máximo, 60 meses. No entanto, usando o modelo de concessão, a Prefeitura garantiu à Rio Grande Ambiental a exploração dos serviços pelo prazo de 20 anos, podendo ser renovados por mais 20. Somente nos primeiros 20 anos, o valor contratado chega a R$ 181,042 milhões, "afetando inúmeras outras administrações que ainda virão". Segundo Zachia Alan, o contrato firmado na administração de Janir Branco é "talvez, o contrato de valor mais alto lavrado pelo município do Rio Grande em toda a sua história". Atualmente, considerando os reajustes feitos em dez adendos desde setembro de 2005, o valor chega a aproximadamente R$ 221 milhões.
Superfaturamento
Na ação, o promotor aponta ainda indícios de superfaturamento, os quais devem ser investigados "em apuratório apartado", ou seja, em um outro inquérito. Os indícios foram observados principalmente no item que prevê o processamento de resíduos sólidos. Durante as investigações, a Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público fez uma comparação entre 247 municípios de todo o País (incluindo cidades como Campinas, Cuiabá, Curitiba, Itajaí, Pelotas, Rio de Janeiro e Salvador). No estudo, Rio Grande aparece como pagando o segundo maior preço entre todas, perdendo apenas para Farroupilha, "curiosamente também no Rio Grande do Sul", segundo o MP.
No contrato original, o valor orçado por tonelada processada no aterro sanitário ficou em R$ 62,25, mais que o dobro da média (em torno de R$ 30) apurada no levantamento. Como comparação, Erechim tinha valor aproximado de R$ 26/ton., enquanto Curitiba pagava menos de R$ 20/ton. e Rio de Janeiro e Pelotas, em torno de R$ 15/ton.
A ação pede que o contrato de concessão de serviços públicos seja declarado nulo ou, de forma alternativa, que o prazo do serviço prestado seja limitado a, no máximo, 60 meses, conforme prevê a Lei de Licitações (Lei 8.666/93). Como há outra investigação em curso, para apurar possíveis responsabilidades pela contratação supostamente ilegal, o promotor Zachia Alan preferiu não se manifestar à reportagem. O Agora tentou ainda contato com a empresa, mas o telefone disponibilizado no site não completava ligação, e o e-mail enviado retornou.
Novos inquéritos
No último dia 27, o promotor Zachia Alan instaurou dois inquéritos para investigar possíveis irregularidades, que envolveriam ainda as eleições municipais de 2008. O primeiro inquérito tem como objeto "apurar possível ato de improbidade administrativa a decorrer do superendividamento do Município". O segundo, pretende "apurar possível utilização da máquina administrativa no contexto da campanha política". Os dois inquéritos se originaram a partir de representação protocolada na semana passada, pela bancada do Partido dos Trabalhadores.
A representação petista se baseou na decisão da Primeira Câmara do Tribunal que, por unanimidade, havia apontado descumprimento, por parte do ex-prefeito, da Lei de Responsabilidade Fiscal, ao deixar, nos dois últimos quadrimestres do seu mandato, um rombo de R$ 11,388 milhões, sem cobertura financeira. Na representação, o PT alega ainda que o ex-prefeito teria utilizado a máquina administrativa, para favorecer a eleição do sucessor, o então candidato Fábio Branco. Em programa de TV apresentado na quarta-feira, 2, à noite, o advogado e presidente do PMDB, Carlos Concli, negou todas as acusações.
Germano S. Leite
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