Uma auditoria especial feita por técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nas contas da prefeitura do Rio Grande em 2007 detectou, entre outras irregularidades, que uma das secretarias pagou R$ 225.470,00 por serviços de consultoria que, além de terem sido contratados de forma a burlar a Lei 8.666/93 (Lei das Licitações), jamais teriam sido efetivamente prestados. Com base nestas irregularidades, a Segunda Câmara do TCE decidiu, por unanimidade, multar o então prefeito, Janir Branco (PMDB), além de determinar que o mesmo devolva aos cofres públicos um montante de mais de R$ 260 mil (em valores de abril de 2009).
A auditoria constatou, entre outras coisas, descumprimento de decisões anteriores do TCE, referentes a pagamento indevido de aposentadorias e pensões (remunerando "a ociosidade de seis servidores"), pagamento de adicionais de insalubridade e periculosidade sem embasamento para detentores de cargos em comissão, num total de R$ 36 mil. Mas o maior valor se refere à contratração de três serviços de consultoria, feitos à mesma empresa, com a mesma finalidade, e que, segundo constataram os técnicos, não foram prestados.
Segundo a auditoria, no final de 2006, a Secretaria Municipal de Coordenação e Planejamento (SMCP), então comandada por Neverton Ribeiro Moraes, contratou os serviços da AMB Assessoria de Mercado Brasil Ltda., por um valor pouco menor do que R$ 80 mil. O objetivo era melhorar os processos e os métodos organizacionais da administração municipal. Em 2007, a mesma secretaria realizou mais dois contratos com a mesma empresa, por valores de R$ 73,9 mil e R$ 76,4 mil, também com o objetivo de melhorar a gestão pública. Além da finalidade em comum, chamou a atenção dos auditores o fato de que os três serviços foram orçados no limite do que prevê a Lei de Licitações, permitindo que a contratação se desse através da modalidade de Convite, e não de Tomada de Preços, que apresenta maior complexidade. Segundo a Lei, é vedado tal fracionamento para adequar-se a uma modalidade de valor mais baixo.
Entre os objetos do contrato de 2006 (Convite nº 088/2006), estariam melhorar a organização e os métodos da administração pública e "compreender e melhorar processos críticos da organização". Num dos contratos de 2007 (Convite nº 065/2007), entre os objetos também consta "compreender e melhorar processos críticos da organização", enquanto um terceiro contrato (Convite nº 066/2007) previa capacitação, treinamento e desenvolvimento de serviços públicos mais eficientes. A reportagem entrou em contato com um dos auditores do Serviço de Auditoria Regional de Pelotas, que disse lembrar bem do caso, mas afirmou não ter competência para se manifestar. Mas, segundo o relator do processo, conselheiro Porfírio Peixoto, os auditores não encontraram nenhum indício de que os serviços teriam sido realmente prestados. Não haviam relatórios, não foram produzidos manuais de procedimentos e nem mesmo os servidores (que supostamente deveriam ter recebido treinamento) sabiam informar se houve alguma consultoria naqueles anos, aponta o relator. Ainda segundo o relatório do TCE, os gestores já se manifestaram sobre o problema, alegando apenas que os serviços foram executados, e que o resultado não chegou ao conhecimento dos servidores porque "passou inicialmente pela avaliação do Gestor Municipal". Apesar das alegações, os conselheiros foram unânimes em considerar irregulares as contratações, determinando que os valores gastos, num total de mais R$ 225 mil, deverão ser ressarcidos ao Município pelo ex-prefeito Janir Branco.
Outro lado
O ex-prefeito Janir Branco se pronunciou através de seu advogado, Carlos Concli, que afirmou ter havido a prestação da consultoria de forma correta, e que "a documentação que comprova isto será apresentada no momento oportuno". Sobre a acusação de que teria havido fracionamento ilegal, em três contratos de mesmo objeto e valores no limite dos R$ 80 mil, alegou ser um "procedimento absolutamente legal e transparente, através de processo licitatório", e que os três contratos de consultoria visavam à prestação de serviços diferentes.
O advogado diz não concordar com a decisão do tribunal, e enfatizou que da decisão ainda cabe recurso. "Temos a convicção de reverter a decisão ainda no âmbito do TCE e, caso isso não ocorra, vamos discutir posteriormente na Justiça", afirmou.
Já o proprietário da AMB, Carlos Pavão Xavier, se disse ontem surpreso com a decisão. O empresário afirma que todo o serviço para o qual sua empresa foi contratada foi devidamente prestado, e que, a pedido do atual prefeito, Fábio Branco (PMDB), já teria remetido por três vezes toda a documentação referente aos trabalhos, que comprovariam a execução. Ontem à tarde, Xavier apresentou à reportagem mais de uma dezena de documentos e relatórios, contendo fotos que documentam os encontros com os grupos a serem treinados e atas destas reuniões.
Segundo Xavier, após algum tempo, o atual prefeito teria lhe dito que o problema era que a prefeitura não tinha dado continuidade nos procedimentos e não manteve as implantações e treinamentos apontados pela consultoria.
Neverton Moraes, que à época chefiava a secretaria responsável pela assinatura dos três contratos, também disse ontem que os contratos foram efetivamente executados, e que os relatórios finais teriam sido auditados pelo BNDES, pois os recursos usados eram do Programa de Modernização da Administração Tributária (PMAT).
Germano S. Leite
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